Ex-chefe do Cenipa revela detalhes de acidentes aeronáuticos

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Dos três acidentes, segundo Kersul, o da Gol é que mais lhe marcou.

O brigadeiro Jorge Kersul Filho, que até 2010 comandava todas as investigações de acidentes aéreos no Brasil, contou pela primeira vez, o que viu e o que levou em conta durante as tragédias da Gol, da TAM e da Air France que, em curto intervalo acarretaram juntas 558 mortes.

Kersul afirmou em entrevista que é a favor da criação de uma nova empresa para averiguar as tragédias aéreas. “A investigação de acidentes da aviação civil deve sair da Força Aérea Brasileira. Esse é um encargo que ninguém quer, não traz benefício algum, não traz nenhum ibope, não há porque ficar com a FAB. Vamos continuar fazendo bem e de forma independente enquanto estiver conosco a obrigação, doa a quem doer. A FAB deveria cuidar da própria FAB, para que sejamos realmente um país que imponha respeito”, afirmou Kersul, na entrevista concedida em sua casa, em Brasília.

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Pela proposta, seria desenvolvida uma empresa designada à prevenção e à investigação de acidentes da aviação comercial civil usando ex-militares que já operaram no Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) e que poderiam, no começo, treinar pessoal qualificado para dar prosseguimento no trabalho.

“Eu não acho que os militares devam continuar com essa responsabilidade. Quando eu estava no Cenipa, fizemos uma proposta para criar esse órgão e a tarefa sair do comando da FAB. A ideia foi para o Ministério da Defesa e deve estar lá”, diz o oficial.

Dos quase 7 mil kg que estavam abordo, foram retirados da mata 1.650 kg.

Para ele, a hierarquia bloqueia o relacionamento entre os órgãos que atuam atualmente no sistema aéreo e é a principal razão que esclareceria a investigação de tragédias da aviação civil deixar de ser atribuição do Cenipa.

“Até a década passada, tudo relacionado à aviação no país estava com o Ministério da Aeronáutica. O estado brasileiro tirou da gaveta uma agência para a aviação civil, a Anac. A Infraero (empresa que administra os aeroportos) também saiu debaixo da Aeronáutica. Foi criada a Secretaria de Aviação, com status de ministério, enquanto que o Cenipa é um órgão dentro do Comando da FAB que está subordinado ao Ministério da Defesa. Há uma diferença de estrutura que gera um conflito”, aponta.

Dos três acidentes, o da Gol é que mais lhe marcou, sobretudo porque um familiar acusou a aeronáutica do sumiço do celular de uma vítima. De acordo com Kersul, o parente disse a ele que o aparelho chegou às mãos de um indivíduo que conserta celulares, no Rio de Janeiro, dois dias após o acidente. Pela versão do familiar, o aparelho teria sido desviado por um militar da Aeronáutica.

“Comandei as buscas pelos corpos na mata até que o último fosse encontrado, o senhor Marcelo Paixão, que estava na poltrona 17C. Já tínhamos retirados todos e só faltava ele. Insistia com o IML que ele devia estar lá, mas ainda não havia sido identificado. Mesmo tendo sido assessorado de que não era obrigação nossa, por ordem minha, até que achássemos o último corpo, passaríamos a recolher objetos que encontrássemos na nossa frente. Mas essa não era nossa obrigação”, relembra.

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Dos quase 7 mil kg que estavam abordo, foram retirados da mata 1.650 kg. “A FAB foi lá resgatar corpos. Carga é responsabilidade do operador. Infelizmente, uma parte dos familiares nos cobra isso e não se lembra de que fizemos algo em favor deles. Quem conhece a Amazônia sabe as dificuldades. É difícil você passar o que passou e ver o trabalho jogado no lixo”, diz.

Na CPI, outro parente questionou porque um cartão de crédito havia desaparecido da carteira da vítima.

Durante a CPI do Apagão Aéreo, em 2007, Kersul chorou ao ser suspeito de ter desviado pertences das vítimas. Afirmou ter solicitado à inteligência da FAB para averiguar o caso, mas que, como os familiares não apresentaram informações, a investigação não foi levada adiante.

“Como você pode fazer uma investigação se não tem nenhuma coisa palpável para começar. Hoje eu sou cobrado por não ter aberto nenhum processo administrativo. Ficamos de mãos atadas (na época)”

Para Kersul, nenhum militar  “foi para lá roubar ou pilhar os corpos”. “Defenderei sempre que nenhum de nós teve participação nisso. Ninguém saiu da mata até 10 dias após a queda. É impossível esse celular estar no Rio dois dias depois. Esse celular é um mistério para mim. Será que esse celular embarcou neste avião?”, questiona.

Fatos sem explicação

Segundo ele não existe um culpado.

Na CPI, outro parente questionou porque um cartão de crédito havia desaparecido da carteira da vítima. “Eu não soube explicar isso a ela, da mesma forma que eu não consigo explicar como, em uma árvore de 40 metros de altura, tinha só uma calça pendurada com um celular funcionando dentro. Eu também não consigo explicar como dois aviões conseguem se encontrar a 11 mil metros numa aerovia com pouco movimento”, desabafa.

“Se tivéssemos que imaginar uma colisão em voo, nunca seria em cima da Amazônia, em uma  aerovia de tráfego normal, com dois aviões novos, com poucas horas de voo, e muito próximas da perfeição em termos de construção”, acrescenta.

Segundo ele não existe um culpado.  “Não existe um ator responsável, nem quem e nem o que errou. Na investigação, trabalhamos com fatores contribuintes. Há uma sequência de eventos que levam ao acidente porque não houve nenhuma barreira forte o suficiente para impedir que esse ela seja interrompida”, diz.

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Para o brigadeiro, a tripulação do Legacy não colocou de propósito o transponder em “stand-by” (posição de aguardo). “Em algum momento o transponder foi para essa posição, colocado propositalmente ou involuntariamente e voltou a operar normalmente, imediatamente logo depois da colisão”. Ele recorda uma frase da própria tripulação ao religar o aparelho logo após o choque com o Boeing da Gol: “É exigir demais do transponder que ele funcione se está em posição de espera”.

Kersul disse que os americanos poderiam  ter visto na tela, em mais de um lugar, que o transponder estava desligado. “E isso não foi observado por eles”. Ele ainda adverte uma falha no controle de tráfego aéreo, que “deixou de observar no radar que havia deixado de receber a informação do transponder” e que poderia ter acionado os pilotos para verificar se havia algum problema no instrumento.

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